Meu recanto, meu canto

"A IMAGINAÇÃO É MAIS IMPORTANTE QUE O CONHECIMENTO" (ALBERT  EINSTEIN)

Textos

SARRABULHO?

(Cr/03)

 

     Onde vamos almoçar? – Perguntou Antonio no tom de sempre – Qualquer lugar serve, menos onde servem camarão, respondi. A alergia está estampada na minha cara e devo ter cuidado com o que como. - Bem sei eu qual é a causa do fundo alérgico, das marcas vermelhas estampadas no meu rosto, mas, não convém mencioná-la, pensei. Tornou-se isso, normal. Enfim. “Tudo acontece por inferência de outrem.” Os beija-flores, Nina e Nato, apelido que que dei à dupla, hoje, estão alvoroçados na minha janela. - Por quê? O dia está um dos mais belos. - Dei-me conta, tempos depois, que a água açucarada, no recipiente com flores brancas vermelhas e roxas, acabara e sinto-me responsável por cativá-los. Fico a pensar por que sendo beija-flores posso eu, no momento, mirá-los a beijar as folhas verdes das palmeiras, em frente ao flat, sem existir nenhuma flor nelas? - E sem néctar? – E sem cor? – Cidade Grande! - “ Viver é muito difícil ” já dizia o nosso gigante literato Guimarães Rosa em seu Grande Veredas: “O Sertão é ser sozinho” e ser sem flor, também.

     Na Lagoa Rodrigo de Freitas a ciclovia está movimentada. Um taxista, ao telefone, predica alto e em bom som. O motoqueiro no viaduto, antes do Túnel Rebouças, canta uns palavrões ao motorista que desviou para a direita e este sentiu-se confortado. Estresse total! Meu estômago ronca, mas, o meu espírito está alvoroçado. Será que a cena se repetirá, como no domingo passado? - pensei. Espero que hoje peça,  apenas,  meia garrafa de vinho. O trânsito está lento em Laranjeiras. Os turistas aproveitam o dia ensolarado e as filas se formam para pegar o bonde ao Corcovado. As escadas íngremes da Casa do Minho lembram-me de Rita, a italiana e professora, mas, portuguesa também, por ter-se casado com Joaquim. Grande Joaquim, o patinho feio da turma dos Ocidentais, que conheço, e eu não aprovo essa tal diferença... Às vezes me sinto na pele dele. Protesto! Por vezes, todos juntos, sempre no 1º sábado do mês, saboreamos com música e dança portuguesa, a tradicional sardinha, comida com tripa e tudo. Cá prá nós, não gosto. La mia mama no lo piace. Fazer o social, para mim, é sempre um sacrifício desmedido, que muitas vezes se torna visível: Mangio macarrone, polenta e vino, no la sae? - Multo, bravo, que bello! Tutto buona gente, ma tutti ladri, ecco! - As minhas raízes me condenam, e eu gosto, disso. O garçom, Zé, mais amigo que garçom e piadista da casa, atendeu-nos muito bem e o prato do dia estava bastante convidativo: Risoto de polvo com brócolis e com lula e temperos todos ao sabor da moda do prato. Suculento! Foi esse mesmo, o prato escolhido, que fora saboreado e totalmente aprovado junto com uma garrafa de vinho, Cem Marias, ou sem marias, seco, e, totalmente aprovado: ½ garrafa apenas, ou talvez um pouco mais. Não importa. O restante fora trazido para casa e Ufa! Muito melhor! - L’histoire non se a repetée, aujord’hui! - Enquanto penso estar livre de uma inteira garrafa vinho, menos uma peripécia, Antonio avistara um amigo jornalista, correspondente de Brasil e Portugal, que se aproximou. Com os cumprimentos dele, apenas, ao amigo Antonio e pouco polido, quase que imperceptível disse: - Meu amigo “acabei de comer um espetáculo de Sarrabulho, meu amigo Antonio”! Por que não foste lá? – Disse, ignorando-me totalmente. Cochicharam baixinho e despediu-se, pois entendera e percebera que fora indelicado saindo sorrateiramente. – Inconformado Antonio por perder essa oportunidade sarrabulhenta, o risoto também deixou para Antonio, um tanto a desejar. Sentiu-se desolado. – Sarrabulho? - Hoje? Aqui em cima? - Sacanagem! - Ninguém me avisou. Não como sarrabulho desde que completei 13 anos, em Portugal – disse ele dirigindo-se ao Zé, garçom da casa, de jaleco branco remendado às costas na altura dos quadris, quando o jornalista, politicamente incorreto, havia se retirado. – E o garçom, Zé, respondera politicamente e polidamente sábio, confortando o amigo: - Melhor aqui, Senhor Antonio. Lá em cima, não é tão fresco quanto aqui. Outros sarrabulhos estão sendo programados e uma oportunidade bem próxima está aí, eu lhe asseguro meu amigo. – Está certo então, meu amigo Zé. - Tudo certo – respondeu Antonio ainda na sua inconformidade soletrando pensamentos que apenas seus lábios conheciam.

     O dicionário foi à primeira coisa que consultei ao chegar em casa. “Sarrabulho: – sangue de porco com miúdos. Carne e gordura de porco. Confusão”. A última alternativa vestiu como uma luva, a meu ver, na pessoa do jornalista; a indelicadeza podia ter gerado uma bela confusão. - Para quê? – Talvez um fato isolado e/ou, impensado!

 

Rio de Janeiro, 25 de maio de 2008-05-25 (17:38).

Edite Anesi Dias dos Santos

M/e/br/11

 

 

 

       O DOS CASTELOS

 

A Europa jaz, posta nos cotovelos:

De Oriente a Ocidente jaz, fitando,

E toldam-lhe românticos cabelos

Olhos gregos, lembrando.

 

O cotovelo esquerdo é recuado;

O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

 

Fita, com olhar esfíngico e fatal,

O Ocidente, futuro do passado.

 

O rosto com que fita é Portugal.

(Fernando Pessoa)

 

edidanesi
Enviado por edidanesi em 25/03/2023
Alterado em 28/03/2023
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